7 de setembro de 2011

ATELIER DE MANUFACTURA SUSPEITA reapresenta
PORNOGRAFIA BARATA,
grande sucesso de público – esteve mais de dois anos em cartaz. E’ uma comédia sobre da intimidade de encontros amorosos, prostituição e de trocas de casais. Não se trata, porém, de exibição pura e simples de sexo como o título parece evocar. A dramaturgia, encenada numa montagem hiperreal e libertina, evidencia a suavidade dos muitos contos de amor desde sempre truncadas pela repressão cotidiana ao sexo.
A comédia se passa na atmosfera surreal do Kitsch Club, que fica na Rua Vergueiro, 2676 – estação do metro Ana Rosa. Quem desejar, poderá esticar a noite na casa.

(...) "É pelo simulacro, pelo precário, que a montagem de Paroni se desarma de qualquer pretensão e conquista a cumplicidade do público." "(...) pelo riso que desmistifica a perversão, pela sofisticação de conceitos que se desenha por trás do precário, 'Pornografia Barata' constitui-se numa educação sentimental iconoclasta (...)."
Sérgio Salvia Coelho - Folha de São Paulo * * *

Ficha Técnica
Direção de Mauricio Paroni de Castro
Dramaturgia do diretor, a partir de Nietszche e Andrés Lima.
Com Janine Correa, Helena Magon, Simone Limase, Thais Simi, Marcelo Szyckman, Rodrigo Zappa, Pedro Barreiro, Mauricio Paroni, Célio Amino e atores do Atelier de Manufactura Suspeita
no Kitsch Club
R. Vergueiro, 2676 - Vila Mariana - São Paulo - SP
Tel: (11) 5083-1440
A partir de 30 de Setembro, todas as Sextas-feiras e Sábados às 22 h.
Duração: 60 minutos
Censura: 18 anos
Ingressos: R$40 e R$20

UM ARTIGO DE CONTARDO CALLIGARIS SOBRE O ESPETACULO


Sexo "artístico"
CONTARDO CALLIGARIS
Folha Ilustrada
No cinema, o sexo é um bailado de corpos que se exercitam, com luz e música apropriadas.
COM FREQÜÊNCIA (crescente?), o sexo, no cinema, consiste em cenas intermináveis nas quais fragmentos de corpos, enquadrados de maneira que não se sabe mais se são nádegas ou seios, movimentam-se numa luz suave e com uma trilha sonora que é uma espécie de Galvão Bueno da “transa” -só que mais previsível que o apresentador global.
Talvez se trate de um efeito da censura ou da autocensura: o disfarce “artístico” vale como pretexto para que a gente se autorize a mostrar coisas que, sem isso, pareceriam proibidas.
O fato é que, em geral, esse sexo “artístico” me causa um mal-estar.
De repente, passo a contemplar (no escuro) a ponta de meu sapato, como um adolescente que estivesse na companhia dos pais. Mas não é por pudor infantil: no cinema, uma cena de sexo que seja pornográfica ou simplesmente realista não me causa mal-estar algum, e, quer eu goste ou não, sigo olhando para a tela.
De onde vem, então, minha dificuldade com o sexo “artístico”?
Uma amiga gostava de um homem bonito e “sarado”. Quando se deitaram juntos pela primeira vez, havia um grande espelho ao lado da cama.
No meio das escaramuças, o homem olhava insistentemente para o espelho. Minha amiga pensou que ele devia achar excitante a visão dos dois corpos nos gestos do amor, mas logo ela notou que o homem não parava de flexionar seus tríceps verificando, no espelho, a definição de seus músculos. Minha amiga perdeu o entusiasmo; esperou, educadamente, que a transa acabasse e nunca mais encontrou o homem.
“O que foi?”, perguntei, “você ficou com ciúmes dos olhares apaixonados que ele reservava para seu próprio corpo?”. “Não”, respondeu minha amiga, “só fiquei com a sensação de que a gente estava na academia. E aí perdi o embalo”.
Pois bem, no cinema, as representações “artísticas” do sexo me fazem um efeito parecido: é como se o descontrole do corpo erótico (que, claro, concordo, pode ser obsceno) fosse substituído quer seja por um bailado de corpos higienistas que se exercitam, quer seja por uma câmara lenta de músculos e pele, que parece ambicionar o estatuto de obra de arte abstrata.
Em suma, no estereótipo cinematográfico, o sexo parece mais estético, saudável e pretensamente poético do que extático.
Ora, o sexo não é nada disso, e torná-lo “artístico” não é apenas um jeito de representá-lo, é também um jeito de domesticá-lo, de regrá-lo.
Talvez seja a única ocasião em que Foucault analisou diretamente o poder do Estado no mundo contemporâneo. Como sempre, Foucault é genial: ele aponta o ideal do Estado contemporâneo na “frugalidade” (ou seja, no menor governo possível), enquanto o exercício do poder é delegado a mecanismos que triunfam por seu caráter aparentemente natural e incontestável. Exemplo fundamental: o Mercado, que, sem intervenções externas, produziria os preços e os custos “verdadeiros” -só pelo livre jogo dos agentes econômicos. Em outras palavras, no exercício do poder moderno, não é preciso mandar: basta mostrar a “naturalidade” do óbvio.
O seminário termina antes que Foucault consiga tratar propriamente do poder na gestão da vida cotidiana, mas entende-se que ele funciona da mesma forma, graças a reguladores implícitos, que se impõem por sua suposta e “óbvia” naturalidade. Por exemplo, quem negará que a vida saudável, a harmonia e a higiênica limpeza são valores “naturalmente” benéficos?
Então por que seríamos reféns da “feiúra” da concupiscência, quando é possível (como sugerem as cenas artístico-eróticas do cinema) viver orgasmos lindos e simultâneos, quem sabe ritmados pelo coro da “Nona Sinfonia” de Beethoven?
Sem contar que, com luz e música certas, também parece óbvio que o sexo possa espontânea e naturalmente conviver com o amor. Não é?
P.S. A vantagem do teatro sobre o cinema é que, no teatro, a estetização sanitarista do sexo é mais difícil, pela presença física do corpo dos atores e pela falta de enquadramentos parciais. Como contraponto ao sexo “artístico”, freqüente no cinema, quem estiver em São Paulo ou passar por aqui pode assistir a uma peça: “Pornografia Barata”, de Mauricio Peroni de Castro.