31 de agosto de 2010

Ótima avaliação para um ótimo trabalho. Venham conferir.

CRÍTICA

"Com Quem Fica o Coração" configura criação antológica


Entre a comédia e a miséria humana, peça reflete maturidade de
Paroni de Castro

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro de feira como grande arte. "Com Quem Fica o Coração",
do Atelier de Manufactura Suspeita, tem a despretensão de
divertir com recursos do Grand Guignol, mas realiza um
inventivo diálogo com a cena contemporânea, pondo em tensão os
limites entre o real e a ilusão.
O Grand Guignol é um gênero popular na França, que nasce no
fim do século 19 em um pequeno teatro de Paris, como
radicalização do drama naturalista, ousando trazer ao palco as
figuras e o linguajar de prostitutas e de criminosos vulgares.
Ao longo do século 20, e até a década de 1960, aquele espaço
foi se tornando cada vez mais uma casa de horrores, aonde se
ia para ver sangue e cabeças rolarem.
A encenação criada por Maurício Paroni de Castro parte dessas
referências para extrapolar muito além dos efeitos especiais
verossimilhantes, característicos daquela tradição e herdados
e banalizados pelo cinema de terror hollywoodiano.
Prefere fabular, em registro aparentemente cômico, o grotesco
de uma sanguinária dissecação de cadáver.
Como parte essencial da proposta, destaca-se a precariedade
cênica e o tom casual dos atores. Ele se manifesta
principalmente no trabalho de Carlos Meceni, gloriosamente
retornando à cena com interpretação virtuosa.
Como o cirurgião corrupto que comercia órgãos, ele sustenta
toda a ação dramática com fala mansa e a sugestão incisiva de
uma contínua manipulação, invisível ao público, por meio de
bisturis e algodões sangrentos.
Ao seu lado, o assistente, com perturbações mentais típicas
dos personagens do Grand Guignol acometidos pela loucura.
Josué Torres compõe com precisão o moço influenciado por um
pastor evangélico e dividido entre as autópsias e a religião.
Terceiro elemento da trama, Janine Corrêa cumpre a difícil
tarefa de encarnar a alma da mulher morta que está sendo
dissecada. Ela está jogada na cena, de pé ao lado da mesa onde
seus ossos estão sendo serrados. Nessa situação pouco
confortável, a atriz se sustenta no implausível, desempenhando
convicta uma crente devassa.
Criação coletiva, tributária grandemente dos atores e de sua
capacidade de construir uma ficção potente com um mínimo de
recursos, o trabalho reflete também a maturidade de Paroni de
Castro como dramaturgo e encenador. Operando numa linha tênue
entre a comédia e a miséria humana, o Atelier de Manufactura
Suspeita concretiza uma criação antológica.

COM QUEM FICA O CORAÇÃO

QUANDO qui., às 21h30
ONDE teatro Ruth Escobar (r. dos Ingleses, 209, tel. 0/xx/11/
3289-2358)
QUANTO R$ 30
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo

22 de agosto de 2010

Opiniao de Marcelo Coelho sobre Com Quem Fica o Coração, em cartaz no Ruth Escobar todas as quintas às 21:30

"Com Quem Fica o Coração"



Assisto à montagem de “Com Quem Fica o Coração”, espetáculo de grand-guignol dirigido por Maurício Paroni de Castro. Declaro meu interesse novamente: trata-se de grande amigo meu, que pôs em cena alguns contos de Voltaire de Souza no espetáculo “Aqui Ninguém é Inocente”, da sua companhia, a Manufactura Suspeita.
Entra-se no teatro Ruth Escobar, e os atores já estão em cena, no que parece ser uma sala de cirurgia clandestina. O médico (Carlos Meceni) realiza uma autópsia, atrás de uma bancada; o cadáver não se vê. A morta, sim: Janine Corrêa está de pé, vestida com a bata branca dos pacientes, e comenta um pouco sua própria condição. O ajudante do médico (Josué Torres) aparecerá mais tarde. Um rádio toca música e pregação evangélica.
Em primeiro lugar, o que chama atenção é a absoluta naturalidade na voz, na dicção de Carlos Meceni. É um operador entediado, falando barbaridades enquanto opera outras no corpo em morte cerebral. Seu cientificismo cínico irá contrastar, assim como seu vocabulário e sotaque, com o credo religioso, a linguagem e a mentalidade para lá de classe C do seu ajudante.
Aos poucos se estabelece, com precisão extrema de detalhes, a diferença social e psicológica entre os dois personagens. Escrever isso é escrever pouco: o ajudante evangélico simplesmente não pensa segundo as mesmas regras do médico; as objeções e comentários que este lhe faz são ignoradas, num fluxo de ideias, convicções e narrativas que funciona sozinho. O ajudante é detalhista em suas memórias do passado: cita marcas e modelos de caminhão, raças de porco e de zebu, atropela-se citando personagens e mais personagens de algum episódio que viveu, sem se dar conta das ironias e das críticas do médico. Este, por sua vez, despreza o interlocutor, aborrece-se, reclama dos próprios problemas, atende a um sinistro celular. Sua familiaridade com a morte e com o mal é levada como um papo de boteco, enquanto a credulidade do antagonista tem o aspecto delirante que não é apenas o de uma religião fundamentalista, mas o de uma mentalidade quase que mutilada pela experiência da pobreza e da deseducação.
Os detalhes chocantes da trama não podem ser contados, mas deve-se registrar a abundância de sangue espirrado e humor negro ao longo da peça. O entrecho, que poderia ser mais esclarecido num ponto ou outro –esta é uma das críticas que sempre endereço a Maurício Paroni—interessa menos, contudo, do que o conflito em cena. De um lado, o racionalismo pragmático do médico, com o qual nos identificamos (até notar o abismo de perversão a que conduz). De outro, a irracionalidade pura do evangélico, que parece mais inocente, e com a qual é impossível identificação imediata, e menos ainda depois de se notar o extremo de brutalidade de que é capaz. Racionalismo e irracionalidade se espelham de modo aterrador no texto –tornando a presença da morta, esta é outra crítica, um pouco sem função durante boa parte do espetáculo.
“Com Quem Fica o Coração” está em cartaz no Ruth Escobar, somente às quintas-feiras, às 21h30.
Escrito por Marcelo Coelho às 01h01

11 de agosto de 2010

com quem fica o coração VOLTA NO RUTH ESCOBAR NESTA QUINTA DIA 19 DE AGOSTO

Com quem Fica o Coração

Sucesso há quase um ano, “Com quem fica o coração?”, reaproxima o Atelier Manufactura Suspeita do Grand Guignol, gênero teatral onde os atores se desvinculam da imposição de postar-se “teatralmente” e agem como se estivessem (não estando) totalmente mergulhados na realidade. Situações dramáticas levadas ao extremo das consequências, sempre pontuadas pela degeneração moral dos costumes, com predileção pelo sangue, horror e pela morbidez. Fato e espetáculo tornam-se marca do projeto estético do Atelier de Manufactura Suspeita. Essencialmente filologia cênica da commedia dell´arte, é quase um jazz: há um fraseado decorado e ensaiado para ser empregado somente um terço do repertório dramatúrgico. Isso faz um réplica ligeiramente diferente de outra. O método dramatúrgico de Paroni é empregado desde seus espetáculos italianos até o outro espetáculo atualmente em cartaz, “Assurbanipal Magiclub” e é parte da construção de uma companhia de pesquisa e repertório que dá mostras de grande consistência artesanal.

SINOPSE
Famoso cirurgião mutilado promove tráfico de órgãos humanos. Seu
enfermeiro acabou de matar a esposa homossexual e adúltera; Ao
retirar-lhe os órgãos, o fantasma dela volta para contar a sua versão da
estória.

TEATRO RUTH ESCOBAR
RUA DOS INGLESE, 209 BELA VISTA tel 3289 23 58

Horário: Quintas-feiras. às 21;30
Duração: 60 minutos

Direção: Mauricio Paroni de Castro
Dramaturgia: Mauricio Paroni de Castro e Elisa Band
Vídeo/Projeção: Renato Rosati
Composição do cenário: Mauricio Paroni de Castro
Figurinos: Adriana Ramos
Produção: Sylvia Soares
Realização: Atelier de Manufactura Suspeita.