26 de janeiro de 2012

“Correnteza” estréia dia 2 de fevereiro de 2012, no SESC Consolação, Espaço Beta, às 21 horas. Temporada até 2 de março, Quintas e Sextas.


A Idéia Forte de Correnteza

O espetáculo foi construído sobre ensinamentos diretamente ouvidos de Tadeusz Kantor, Renata Molinari e Thierry Salmon. Ainda que bem guardadas as respectivas funções artesanais, o trabalho criativo não definiu limites entre a direção e a interpretação. A idéia forte foi criar um lugar mental num ambiente com palco, compreendidos fisicamente sua platéia e seu publico.
Cito os mestres e respectivas idéias:
• Tadeusz Kantor
Tive, por cerca de um mês, o imenso privilégio conviver com Kantor na Escola de Arte Dramática de Milão, onde ele ministrou as suas lições milanesas. Era julho de 1985. Cursava o primeiro ano da escola. Pude ouvir diretamente dele: “O espaço da vida é o espaço da arte; ambos confundem-se, compenetram-se e dividem um destino comum; A ‘quarta parede’ não tem sentido porque a necessidade da obra teatral reside nela própria; o espetáculo acontece não para alguém, mas na presença de alguém; atores não podem fingir uma personagem ou representar um texto; o drama e a vida coincidem na criação de um espetáculo-obra de arte.”
• Renata Molinari
Supervisionou a dramaturgia de alguns meus espetáculos na Itália e na Escócia. Vou direto ao ponto: “Não existe nada na vida [real] que não possa ser assumido dentro de um espetáculo; se você se move, não numa dimensão de naturalismo, mas de coerência orgânica no desenvolvimento de conseqüências da própria vida. O espaço, o objeto, as cores os sons, todos os elementos têm uma necessidade dramatúrgica precisa e ficam à disposição [de leitura e de percepção] do espectador desde o começo. (...) O espaço cênico para nos é um ponto de fuga, ou um território onde proponho nosso desafio como necessidade expressiva. Consideramos o espaço cênico como lugar artístico autônomo, lugar mental onde as coisas acontecem. Lugar que tem direito de existir quando somos obrigados a negá-lo: interrogamo-nos sobre a possibilidade ou não de sua própria existência, e, portanto, não o consideramos como um fato [real, mas de ficção]”.
• Thierry Salmon
Fui aluno e assistente por duas vezes desse genial diretor belga, morto num acidente de automóvel em 1998 muito jovem, e infelizmente quase desconhecido no Brasil: “Peço ao espectador para fazer um esforço; por exemplo, deixo buracos nas construções para que quem assista possa neles investir. [...] Prefiro eu o espectador trace um percurso no espetáculo, que dois espectadores não vejam a mesa coisa. O teatro é um lugar de resistência, um lugar que permite que se viva diferentemente.”

Seguindo as intuições acima transcritas, fizemos o ator recordar-se do texto no mesmo instante da representação (e coincidente com ela), o que contextualiza no presente a estória que conta. A esta estória se acavalam os contos do pai, do avô e do filho. Portanto, os versos de Gabriela Mellão são recordados e vividos ao mesmo tempo, enquanto verso (se fosse pintura, caberia mencionar: desenho) e enquanto emoção (ainda, se fosse pintura, caberia mencionar: cor) diante do público, não necessariamente para o publico.
Há também uma comunicação que liga a nível pessoal o ator, o diretor e o autor, que se dirigem diretamente ao espectador. Nenhuma ingênua e apelativa interatividade. O nosso espectador é visita e intimamente criativa das visões totalizantes encabeçadas pelos versos de Gabriela. Esse nível de comunicação dita a extrema simplicidade da cena, além da interpretação hiper realista utilizada. Criamos uma forma que se assemelha aos tradicionais benshi do cinema mudo japonês. (O benshi - “homem que fala” - ficava ao lado da tela e sua narração era teatral. Freqüentemente interagia verbalmente com as personagens do filme narrado. Criada nas tradições Kabuki e Noh, essas narrações e comentários eram muito importantes na experiência de se assistir ao cinema mudo japonês.). Resta replicarmos quotidianamente, aqui e agora, um enredo transbordante de drama, vida, destinos, com um final que ecoa a alma das personagens na mesma alma de quem o assiste.

“Correnteza” estréia dia 2 de fevereiro de 2012, no SESC Consolação, Espaço Beta, às 21 horas. Temporada até 2 de março, Quintas e Sextas.

Mauricio Paroni de Castro